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psicanálise
& Sigmund Freud
"Nos
últimos trinta e cinco anos, repetidos exames da
literatura não conseguiram apresentar qualquer
indício sólido de que a terapia psicanalítica seja
superior à terapia por placebo" (Hines, 133).
"Na
verdade não sou de forma alguma um homem de
ciência, nem um observador, nem um experimentador,
nem um pensador. Sou, por temperamento, nada mais que
um conquistador - um aventureiro, em outras palavras
- com toda a curiosidade, ousadia e tenacidade
características desse tipo de homem" (Sigmund Freud, carta a
Wilhelm Fliess, 1o. de fevereiro de 1900).
"Por
volta dos anos de 1950 e 60, o alerta do mestre tinha
sido abafado por um turbilhão de vozes eufóricas.
Psicanalistas e psiquiatras afirmavam poder curar
até a esquizofrenia, a mais temida das doenças
mentais, e podiam fazê-lo simplesmente conversando
com os pacientes" (Dolnick, 12).
A psicanálise é a avó de todas as psicoterapias pseudocientíficas,
perdendo apenas para a Cientologia
como campeã na produção de alegações falsas e
enganosas sobre a mente e sobre saúde e doença mentais.
Por exemplo, na psicanálise esquizofrenia e
depressão não são distúrbios neuroquímicos e sim
narcisísticos. Autismo e outros distúrbios
cerebrais não são problemas da química do cérebro, e
sim problemas de relacionamento com a mãe. Essas
doenças não exigem tratamento farmacológico, apenas
terapia através de "diálogo". Tomam-se
posições similares para a anorexia nervosa e a
síndrome de Tourette. (Hines, p. 136) Que indícios
apóiam a visão psicanalítica dessas doenças mentais e
o tratamento indicado? Nenhum.
Freud pensou ter compreendido a natureza da
esquizofrenia. Ela não seria um distúrbio cerebral e
sim uma perturbação do inconsciente causada por
sentimentos não resolvidos de homossexualidade. No
entanto, afirmava que a psicanálise não funcionava para
os esquizofrênicos porque esses pacientes ignoravam as
descobertas dos terapeutas e resistiam ao tratamento
(Dolnick, 40). Psicanalistas que se seguiram alegariam,
com igual certeza e igual ausência de respaldo
científico, que a esquizofrenia era causada por mães
repressoras. Em 1948, Frieda Fromm-Reichmann, por
exemplo, deu à luz o termo "mãe
esquizofrenogênica," a mãe cuja criação faz com
que os filhos se tornem esquizofrênicos (Dolnick, 94).
Antes dela, outros analistas já davam apoio a essa
idéia através de relatos e intuição e, ao longo dos
vinte anos que se seguiram, muitos mais iriam segui-la em
seu caminho equivocado.
Você trataria uma perna quebrada ou diabetes com
terapia "conversacional" ou através da
interpretação dos sonhos do paciente? Claro que não.
Imagine a reação de uma diabética se fosse dito a ela
que sua doença se deve' a um "conflito
masturbatório" ou "erotismo deslocado".
Daria no mesmo dizer à paciente que ela está possuída
por demônios, ou dar a ela uma explicação
psicanalítica para sua doença ou distúrbio físico.
Exorcismo de demônios pelo xamã ou padre, exorcismo de
experiências da infância pelo psicanalista: qual a
diferença? Então por que alguém ainda iria sustentar a
idéia de que distúrbios neuroquímicos ou outros
distúrbios físicos são causados por experiências
traumáticas ou sexuais (ou ambas) da infância, reprimidas
ou sublimadas? Provavelmente pelas mesmas
razões pelas quais os teólogos não abandonam seus
elaborados sistemas de raciocínio diante de provas
contundentes de que essas crenças são pouco mais que
grandes teias de aranha metafísicas. Eles recebem muito
reforço institucional para seus papéis e idéias
criados socialmente, a maioria dos quais não são
passíveis de ser submetidos a testes empíricos. Se suas
idéias não podem ser testadas, não podem ser
refutadas. O que não pode ser refutado e também tem o
respaldo de uma poderosa instituição ou establishment
pode perdurar por séculos passando-se por respeitável
ou válido, a despeito da falta de fundamento, da
falsidade ou do potencial danoso.
O conceito mais fundamental da psicanálise é a
idéia de que a mente inconsciente é um reservatório de
lembranças reprimidas de eventos traumáticos, que
continuamente influenciam o pensamento consciente e o
comportamento. Não há provas científicas dessa repressão inconsciente, assim
como não há qualquer prova de que o pensamento
consciente ou o comportamento sejam influenciados por
lembranças reprimidas. (Para os que não
tiverem lido esta última frase com cuidado, permitam-me
observar que não estou negando a existência de
pensamentos inconscientes nem de lembranças implícitas.)
Associados a essas suposições questionáveis da
psicanálise estão dois métodos de investigação
igualmente questionáveis das supostas lembranças
ocultas no inconsciente: a associação livre e a
interpretação dos sonhos. Nenhum deles é passível
de formulação científica ou testes empíricos. Ambos
são cheques em branco metafísicos para se especular à
vontade sem qualquer compromisso com a realidade.
As pesquisas científicas a respeito de como a
memória funciona não dão apoio à concepção
psicanalítica da mente inconsciente reprimindo
lembranças sexuais e traumáticas nem da infância nem
da idade adulta. Existem porém fortes indícios de que
haja um tipo de recordações das quais não temos
consciência, embora sejam lembradas. Os cientistas
chamam esse tipo de lembrança de memória implícita.
Existem vários indícios de que para se ter lembranças
é preciso que se tenha amplo desenvolvimento dos lobos
frontais, o que bebês e crianças muito jovens não
possuem. Além disso, as lembranças precisam ser
codificadas para que se tornem duradouras. Se a
codificação estiver ausente, segue-se a amnésia, como
no caso de muitos dos nossos sonhos. Se a codificação
for fraca, lembranças fragmentadas e implícitas podem
ser tudo o que restará da experiência original. Assim,
a probabilidade de ficarem recordações de infância de
abuso, aliás de qualquer outra coisa, é quase zero.
Lembranças implícitas de abuso realmente ocorrem, mas
não sob as condições que são assumidas como a base
para a repressão. Elas ocorrem quando uma pessoa é
feita inconsciente durante o ataque e não pode codificar
a experiência muito profundamente. Por exemplo, uma
vítima de estupro não conseguia se lembrar do fato. O
ataque tinha acontecido numa trilha de tijolos. As
palavras 'tijolo' e 'trilha' continuavam pipocando na
mente da vítima, mas ela não as conectava ao estupro.
Ficava perturbadíssima quando levada de volta à cena do
crime, embora não se lembrasse do que havia ocorrido ali
(Schacter, 232). É improvável que a hipnose, a livre associação ou
qualquer outro método terapêutico ajudasse a vítima a
se lembrar do que tinha acontecido. Ela não tinha
nenhuma lembrança implícita porque estava
impossibilitada de codificar profundamente o trauma,
devido à crueldade do ataque que fez com que perdesse a
consciência. O máximo que um psicanalista ou outro terapeuta da memória reprimida
pode fazer é criar uma lembrança
falsa na vítima, abusando dela mais uma vez.
Intimamente ligada à visão psicanalítica da
repressão está a presunção de que o tratamento dado
às crianças pelos pais, especialmente pela mãe, é a
fonte de muitos, senão da maioria dos problemas dos
adultos, desde distúrbios da personalidade até doenças
mentais. Há poucas dúvidas de que se crianças forem
tratadas cruelmente na infância suas vidas como adultos
serão profundamente influenciadas por esse tratamento.
É um grande salto conceitual deduzir a partir desse fato
a idéia de que todas as experiências sexuais
da infância irão causar problemas futuros, ou que todos
os problemas futuros, inclusive sexuais, se devam a
experiências de infância. Faltam indícios que
comprovem essas idéias.
De muitas formas, a terapia psicanalítica é baseada
numa busca pelo que provavelmente não existe
(lembranças reprimidas da infância), uma presunção
que é provavelmente falsa (a de que experiências da
infância causaram o problema do paciente) e uma teoria
terapêutica que quase não tem qualquer probabilidade de
estar correta (a de que trazer à consciência
lembranças reprimidas seja essencial para a cura).
Naturalmente, isso são apenas os fundamentos de um
conjunto elaborado de conceitos de aparência científica
que têm a pretensão de explicar os profundos mistérios
da consciência e do comportamento. Mas se os fundamentos
são ilusórios, que futuro poderia ter essa ilusão?
Surgiram, no entanto, alguns pontos positivos como
resultado do método de psicanálise desenvolvido por
Sigmund Freud (1856-1939) um século atrás em Viena.
Freud poderia ser considerado um de nossos maiores
benfeitores apenas por ter sido o pioneiro na vontade de compreender
aqueles cujo comportamento e pensamentos ultrapassam as
fronteiras das convenções estabelecidas pela
civilização e pelas culturas. O fato de não ser mais
de bom gosto condenar ou ridicularizar quem possui
distúrbios do comportamento ou do pensamento se deve, e
não em pouco, à tolerância promovida pela
psicanálise. Além disso, não se pode culpar Freud pelo
que quer que tenha restado de intolerância, ignorância,
hipocrisia e puritanismo em relação ao entendimento de
nossa natureza sexual e comportamento. Os psicanalistas
não honram Freud por aderirem cegamente às doutrinas do
mestre nessa ou em qualquer outra área. Para concluir,
como disse o psiquiatra Anthony Storr: "a técnica
de Freud de ouvir por longos períodos as pessoas
angustiadas, em lugar de lhes dar ordens ou conselhos,
formou a base da maioria das formas modernas de
psicoterapia, beneficiando tanto pacientes como
terapeutas" (Storr, 120).
Veja verbetes relacionados sobre sonhos, lembranças
falsas, Carl Jung, memória, psicoterapias da Nova Era, memória reprimida, terapia da memória reprimida, ciência, terapia da busca do trauma, e a mente inconsciente.
leitura adicional
Dawes, Robyn M. House of Cards -
Psychology and Psychotherapy Built on Myth [Castelo
de Cartas - Psicologia e Psicoterapia Construídas Com
Mitos], (New York: The Free Press, 1994).
Dineen,
Tana. Manufacturing Victims: What the Psychology
Industry is Doing to People [Fabricando Vítimas: O Que a
Indústria da Psicologia Está Fazendo às Pessoas] (Montreal:
Robert Davies Multimedia Publishing, 1998).
Dolnick,
Edward. Madness on the Couch - Blaming the Victim in
the Heyday of Psychoanalysis [Loucura no Divã - Culpando
a Vítima no Apogeu da Psicanálise] (New York:
Simon & Schuster, 1998).
Hines,
Terence. Pseudoscience and the Paranormal[A
Pseudocência e o Paranormal] (Buffalo, NY:
Prometheus Books, 1990).
Feinberg,
Todd E. e Martha J. Farah. editores, Behavioral
neurology and neuropsychology [Neurologia Comportamental
e Neuropsicologia] (New York : McGraw-Hill, 1997).
Freud,
Sigmund. Civilization and its Discontents [A
Civilização e Seus Descontentes].
Freud,
Sigmund. Future of an Illusion [O Futuro de uma
Ilusão].
Gold,
Mark S. The Good News About Depression : Cures and
Treatments in the New Age of Psychiatry [As Boas
Notícias Sobre a Depressão: Curas e Tratamentos na Nova
Era da Psiquiatria] (New York: Bantam Books, 1995).
Marquis.Julie. "Erasing the Line Between
Mental and Physical Ills [Apagando a Linha Divisória das
Doenças Físicas e Mentais" Los
Angeles Times, October 15, 1996.
Papolos,
Demitri e Janice Papolos. Overcoming Depression
[Superando a Depressão] 3a. ed. (HarperCollins,
1997).
Pincus,
Jonathan. e Gary. Tucker. Behavioral Neurology
[Neurologia Comportamental], 3a. ed. (New York:
Oxford University Press, 1985).
Schacter,
Daniel L. Searching for Memory - the brain, the mind,
and the past [Em Busca da Memória - o Cérebro, a Mente
e o Passado] (New York: Basic Books, 1996).
Crítica
Storr,
Anthony. Feet of Clay - saints, sinners, and madmen: a
study of gurus [Pés de Barro - Santos, Pecadores e
Loucos: um Estudo dos Gurus] (New York: The Free
Press, 1996).
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