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Robert Todd Carroll

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síndrome do crente

A necessidade de acreditar em falsos milagres às vezes ultrapassa não só a lógica mas, aparentemente, até a sanidade mental.
  -- Rev. Canon William V. Rauscher

A síndrome do crente merece ser estudada pela ciência. O que é isso que compele uma pessoa a, ultrapassando os limites da razão, crer no inacreditável? Como pode um indivíduo normalmente equilibrado tornar-se tão apaixonado por uma fantasia, uma impostura que, mesmo após esta ter sido exposta à luz clara do dia, ainda se agarra a ela -- na verdade, se agarra ainda mais fortemente a ela?
  --M. Lamar Keene

Síndrome do crente é uma expressão cunhada por M. Lamar Keene para descrever um aparente distúrbio cognitivo caracterizado quando uma pessoa continua acreditando na veracidade de eventos paranormais ou sobrenaturais, mesmo depois que são apresentadas a ela provas cabais de que o referido evento foi encenado de forma fraudulenta. Keene é um falso paranormal regenerado que expôs falcatruas religiosas -- aparentemente conseguindo resultados modestos. Falsos curandeiros pela fé, paranormais, médiuns, televangelistas milagrosos, etc., continuam tão abundantes como sempre foram.

Keene acredita que "a síndrome do crente é a coisa mais poderosa que os falsos médiuns têm a seu favor" porque "nem toda a lógica do mundo pode destruir uma fé que é conscientemente baseada numa mentira." No entanto, parece ser muito pouco provável que os que sofrem da síndrome do crente estejam conscientemente mentindo para si próprios. Talvez, sob o ponto de vista do farsante ou fraudador, a vítima a quem é contada a verdade mas que continua a ter fé possa parecer acreditar que aquilo que ela sabe seja uma mentira. Apesar disso, esse tipo de auto-ilusão não precisa necessariamente envolver o ato de mentir para si próprio. Mentir para si exigiria a admissão de que a pessoa acredita numa coisa que ela sabe ser falsa. Isso não parece logicamente possível. Uma pessoa não pode crer ou descrer de algo que sabe. (Crença em algo é diferente de crença em alguém, que é uma questão de confiança, e não de crença.) Crença e descrença sugerem a possibilidade de erro; conhecimento implica em que o erro esteja além das probabilidades razoáveis. Posso ter provas contundentes de que um "paranormal" seja um farsante, mas mesmo assim acreditar que eventos paranormais ocorram. Posso estar me iludindo neste caso, mas não acho correto dizer que esteja mentindo para mim mesmo. É possível que aqueles que sofram da síndrome do crente simplesmente não acreditem que o peso das provas apresentadas a eles revelando fraude seja suficiente para superar o peso de todos os muitos casos prévios de provas a favor. O fato de que as provas favoráveis tenham sido em grande parte fornecidas pela mesma pessoa exposta como fraude é desprezado. Há sempre a esperança de que, não importando quantas fraudes sejam expostas, ao menos uma das experiências possa ter sido legítima. Ninguém pode provar que todos os "milagres" paranormais tenham sido fraudes. Logo, o crente pode muito bem se auto-justificar por estar mantendo viva a esperança. Esse pensamento não é completamente ilógico, embora possa parecer patológico para a pessoa que admite a fraude.

Não parece ser igualmente fácil explicar por que o crente continua a acreditar na pessoa, ou seja, confiar no paranormal a partir do momento em que este admite a fraude. Confiar em alguém que revela ser um mentiroso e farsante é irracional, e uma pessoa que age assim pode dar ao farsante a impressão de estar louca. Algumas delas podem mesmo estar loucas mas outras talvez estejam se iludindo, assumindo ser possível que uma pessoa possa ter poderes paranormais sem que saiba disso. Assim, uma pessoa poderia descrer de suas próprias habilidades paranormais embora realmente possuísse esses poderes. Da mesma forma que existem pessoas que pensam ter poderes psíquicos mas não os têm realmente, há pessoas que os têm mas pensam que não.

De qualquer forma, há dois tipos de crentes, embora estejam claramente relacionados entre si. Um deles é o tipo ao qual Keene se referiu, ou seja, os que acreditam em coisas paranormais ou sobrenaturais, contrárias às provas disponíveis. Sua fé é inabalável, mesmo diante de provas contundentes contra ela, por exemplo, aquelas pessoas que se recusaram a descrer de "Carlos" quando a fraude foi revelada. Os exemplos de Keene são, em sua maioria, de pessoas que estão tão deseperadas para se comunicar com os mortos que nenhum desmascaramento de médiuns (ou canalizadores) fraudulentos é capaz de abalar sua fé no espiritismo (ou na canalização). O outro tipo é descrito por Eric Hoffer no livro The True Believer [O Crente]. Esse tipo de pessoa se compromete irracionalmente com alguma causa como assassinar médicos que fazem abortos, ou a um guru como Jim Jones.

A síndrome do crente pode ser uma explicação para a popularidade de  Uri Geller, Sai Baba ou James Van Praagh, mas o termo não ajuda a entender por que as pessoas acreditam nas habilidade paranormais ou sobrenaturais desses indivíduos, a despeito de provas cabais de que eles são farsantes e que vivem de aliviar pessoas de grandes somas de dinheiro. Como, por definição, os que sofrem da síndrome do crente estão irracionalmente comprometidos com suas crenças, não adianta discutir com essas pessoas. Provas e argumentos lógicos não significam nada para elas. Etão por definição iludidas, no sentido psiquiátrico da palavra: acreditam no que é falso e são incapazes de se convencer através de provas e argumentos de que suas idéias estão erradas.

Parece claro que se existir uma explicação para a síndrome do crente deve ser em termos de satisfação de necessidades emocionais. Mas talvez seja irrespondível por que algumas pessoas têm uma necessidade emocional tão forte de acreditar em imortalidade, superioridade racial ou moral, ou mesmo em que o último modismo em administração deva ser perseguido com zelo evangélico. Isso pode estar relacionado com a insegurança. Eric Hoffer parece pensar que sim. Ele afirmou

Quanto menos um homem tem razões para afirmar sua própria excelência, mais ele tende a afirmar a excelência de sua nação, sua religião, sua raça ou sua santa causa....

É provável que um homem cuide de sua própria vida quando esta é digna de atenção. Quando não é, ele tira a mente dos seus assuntos insignificantes desviando a atenção para a vida dos outros....

O fanático é perpetuamente incompleto e inseguro. Não consegue gerar autoconfiança a partir de seus recursos individuais -- a partir de seu eu rejeitado -- mas a encontra apenas ao agarrar-se apaixonadamente a qualquer que seja o apoio ao qual ele se abrace. Essa ligação apaixonada é a essência de sua devoção e religiosidade cegas, e ele vê nela a fonte de toda a força e virtude.... Ele facilmente se vê como o apoiador e defensor da causa santa à qual adere. E está pronto a sacrificar a própria vida.

Hoffer também parece pensar que a síndrome do crente tenha alguma relação com o desejo de eximir-se de toda a responsabilidade pessoal pelas próprias crenças e ações: ficar livre do ônus da liberdade. Talvez Hoffer esteja certo para a maioria dos casos mais graves, mas muitos dos casos mais leves podem estar associados com pouco mais que influência pelos desejos.

Um estudo conduzido pelos psicólogos Barry Singer e Victor Benassi, na Universidade Estadual da Califórnia em Long Beach, ilustra a disposição para se acreditar em poderes psíquicos diante de indícios em contrário. Trouxeram um mágico, Craig Reynolds, para que fizesse alguns truques para quatro turmas de psicologia introdutória. Para duas delas não foi dito que ele era um mágico que executaria alguns truques amadorísticos. Foi dito a elas que se tratava de um estudante da graduação que alegava ter poderes psíquicos. Nessas turmas, o instrutor de psicologia declarou explicitamente que não acreditava que o aluno ou qualquer outra pessoa tivessem habilidades paranormais. Nas outras duas turmas, foi dito aos alunos que o mágico era um mágico. Singer e Benassi relataram que cerca de dois terços dos alunos de ambos os grupos acreditaram que Craig era um paranormal. Os pesquisadores ficaram surpresos por não encontrar nenhuma diferença significativa entre as turmas do "mágico" e do "paranormal". Fizeram então a mesma apresentação a outras duas turmas, a quem foi dito explicitamente que Craig não possuía nenhuma habilidade paranormal e que iria fazer alguns truques nos quais fingiria ler mentes e demonstrar poderes psíquicos. Apesar disso, mais da metade dos alunos acreditaram que Craig era paranormal após assistir à atuação.

Singer e Benassi perguntaram então aos alunos se eles achavam que os mágicos poderiam fazer exatamente o que Craig tinha feito. A maioria dos alunos concordou que poderiam. Perguntaram então se eles gostariam de mudar sua avaliação das habilidades paranormais de Craig, à luz dos dados negativos que eles próprios tinham fornecido. Poucos mudaram, reduzindo a porcentagem de alunos que acreditavam nos poderes psíquicos de Craig para 55%. Então, foi pedido aos alunos que estimassem quantos dos que se dizem paranormais seriam na verdade farsantes usando truques de mágicos. O consenso foi de que a maioria dos "paranormais" sejam impostores. Foi perguntado novamente aos alunos se gostariam de mudar sua avaliação dos poderes psíquicos de Craig. Mais uma vez, poucos mudaram, mas o percentual dos que acreditavam nos poderes de Craig ainda permaneceu em expressivos 52%. [Benassi e Singer; Hofstadter]

Para muitas pessoas o desejo de acreditar às vezes sobrepuja a habilidade de pensar criticamente sobre as provas a favor e contra uma crença.

Veja verbetes relacionados sobre hipóteses ad hoc, leitura fria, reforço comunitário, tendência para a confirmação, estudos controlados, navalha de Occam, falácia post hoc, pensamento seletivo, auto-ilusão, validação subjetiva, testemunhos e influência pelos desejos.


leitura adicional

Benassi, Victor e Barry Singer. "Fooling Some of the People All of the Time [Enganando Algumas Pessoas o Tempo Todo]," The Skeptical Inquirer, Winter 1980/81.

Hoffer, Eric. The True Believer : Thoughts on the Nature of Mass Movements [O Crente: Pensamentos a Respeito da Natureza dos Movimentos de Massa] (HarperCollins, 1989 reissue).

Hofstadter, Douglas.  Metamagical Themas: Questing for the Essence of Mind and Pattern [Temas Meta-mágicos: Em Busca da Essência da Mente e Padrões], (New York: Basic Books, 1985), capítulo 5, "World Views in Collision: The Skeptical Inquirer versus the National Enquirer [Perspectivas do Mundo em Colisão: A Skeptical Inquirer Contra a National Enquirer]." (Hofstadter escreveu reportagem sobre o estudo de Bennasi e Singer em sua coluna mensal na Scientific American de fevereiro de 1982.)

Keene, M. Lamar. The Psychic Mafia [A Máfia Paranormal] (Prometheus, 1997).

Randi, James. The Faith Healers [Os Curandeiros Pela Fé] (Buffalo, N.Y.: Prometheus Books, 1987).

Randi, James. The Truth about Uri Geller [A Verdade Sobre Uri Geller], (Buffalo, NY: Prometheus Books, 1982).

Raymo, Chet. Skeptics and True Believers: The Exhilarating Connection Between Science and Religion [Céticos e Crentes: A Alegre Conexão Entre Ciência e Religião] (Walker & Co., 1998).

©copyright 2000
Robert Todd Carroll

traduzido por
Ronaldo Cordeiro

Última atualização: 2001-02-27

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