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Robert Todd Carroll

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vertline.gif (1078 bytes)   o Efeito Mozart

"Nós temos esta linguagem neural interna comum, com a qual nascemos, e assim, se você souber explorá-la com os estímulos corretos, então ajudará o cérebro a se desenvolver para fazer coisas como raciocinar."-- Dr. Gordon Shaw

"Nós expusemos estes animais [ratos], in utero e depois sessenta dias após o nascimento, a diferentes tipos de estimulação auditiva, e então os testamos em um labirinto espacial. E de fato, os animais que foram expostos a Mozart completaram o labirinto mais rápido e com menos erros. E agora, o que nós estamos fazendo é remover seus cérebros para que possamos fatiá-los e observar neuro-anatomicamente precisamente o que mudou, em função da exposição. Assim, pode ser que esta intensa exposição à música seja um tipo de enriquecimento que tenha efeitos similares sobre as áreas espaciais do hipocampo do cérebro." --Dra. Frances Rauscher

"Histórias com ênfase em que experiência de crianças durante seus primeiros anos de vida irão definitivamente determinar suas habilidades estocásticas, suas futuras carreiras, e sua habilidade de criar relacionamentos amorosos, têm pouco embasamento na neurociência." --John Bruer

O Efeito Mozart é um termo cunhado por Alfred A. Tomatis para um alegado aumento no desenvolvimento cerebral que ocorre em crianças com menos de 3 anos, quando elas ouvem música de Wolfgang Amadeus Mozart.

A idéia do Efeito Mozart surgiu em 1993 na Universidade da Califórnia, em Irvine, com o físico Gordon Shaw e Frances Rauscher, uma expert em desenvolvimento cognitivo. Eles estudaram os efeitos sobre algumas dúzias de estudantes universitários de escutar aos primeiros 10 minutos da Sonata Para Dois Pianos em Ré Maior (K.448) de Mozart. Eles encontraram um melhoramento temporário do raciocínio espaço-temporal, conforme medido pelo teste Stanford-Binet de QI. Ninguém mais foi capaz de reproduzir seus resultados. Pelo menos um pesquisador descobriu que ouvir Mozart torna algumas pessoas mais burras (Halpern). Outro comentou que  "o máximo que poderia ser dito a respeito da experiência deles -- se ela fosse completamente inconteste -- seria que ouvir a um mau Mozart melhora o QI de curto-prazo" (Linton). Rauscher prosseguiu para o estudo dos efeitos de Mozart sobre ratos. Ambos Shaw e Rauscher têm especulado que a exposição a Mozart melhora o raciocínio espacial e a memória em humanos.

Em 1997, Rauscher e Shaw anunciaram ter provas científicas de que instrução em piano e canto são superiores a instrução em computação para aumentar as habilidades de raciocínio abstrato em crianças.

A experiência incluiu três grupos de pré-escolares: um grupo recebeu aulas particulares de piano/teclado e aulas de canto; um segundo grupo recebeu aulas particulares de computação; e um terceiro grupo não recebeu nenhum treinamento. Aquelas crianças que receberam treinamento em piano/teclado tiveram desempenho 34% melhor, em testes medindo habilidade espaço-temporal, que os outros. Estas descobertas indicam que a música melhora de forma única as altas funções cerebrais exigidas pela matemática, xadrez, ciência e engenharia.*

Shaw e Rauscher estimularam uma indústria. Eles também criaram seu próprio instituto: O Instituto do Desenvolvimento Neural da Inteligência pela Música (M.I.N.D.). Existem tantas pesquisas em andamento para provar os prodigiosos efeitos da música, que um site foi criado apenas para acompanhar todos os novos desenvolvimentos: MüSICA., que tem uma seção especialmente para o Efeito Mozart.

Shaw e Rauscher afirmam que seu trabalho tem sido mal representado. O que eles mostraram é que  "há padrões de neurônios que disparam em seqüência, e que parece haver locais pré-existentes no cérebro que respondem a freqüências específicas.* Isso não é o mesmo que mostrar que ouvir a Mozart aumenta a inteligência em crianças. Entretando, Shaw não vai esperar que as evidências sólidas apareçam antes que ele ganhe dinheiro à custa do desejo dos pais de aumentar a inteligência de seus filhos. Ele tem um livro & CD sendo lançado, chamado Mantendo Mozart em Mente. Você poderá comprá-lo através do instituto dele a partir de Setembro de 1999. Ele e seus colegas estão convencidos de que, desde que o raciocínio espaço-temporal é essencial para muitas tarefas cognitivas da mais alta ordem, estimular a área do cérebro relacionada com o raciocínio espaço-temporal e praticar exercícios espaço-temporais aumentarão a inteligência da pessoa para a matemática, a engenharia, o xadrez e a ciência. Eles têm até um software à venda, que não usa nenhuma linguagem e é destinado a exercitar habilidades espaço-temporais com a ajuda de um pingüim animado.

Shaw e Rauscher podem ter criado uma indústria, mas a mídia de massas e outros podem ter criado uma espécie de ciência alternativa, que dá apoio à indústria. Alegações exageradas e falsas sobre música tem se tornado de tal forma lugares-comuns, que é provavelmente perda de tempo tentar corrigi-las. Por exemplo, Jamal Munshi, um professor associado da Administração de Negócios da Sonoma State University, coleciona pérolas da desinformação e credulidade. Ele as posta na Internet como "Estranhas mas Verdadeiras", incluindo a alegação de que Shaw e Rauscher demonstraram que ouvir à sonata de Mozart Para Dois Pianos em Ré Maior  "aumentou a pontuação no SAT de alunos em 51 pontos". Na verdade, Shaw e Rauscher deram a 36 alunos da UC de Irvine um teste de dobrar e recortar papel, e descobriram que o grupo de Mozart mostrou um aumento temporário de 8-9 pontos sobre suas pontuações quando fizeram o teste após um período de silêncio ou a audição de uma fita relaxante. (Munshi também afirma que a ciência também não pode explicar como uma mosca voa. Os cientistas têm trabalhado com afinco neste problema crucial, portanto, deveríamos dar a eles seu devido crédito.)

Don Campbell, entretanto, tornou-se o Carlos Castaneda e o P.T. Barnum do Efeito Mozart, exagerando e distorcendo o trabalho de Shaw, Rauscher e outros em seu próprio benefício. Ele registrou a marca The Mozart Effect e vende a si próprio e a seus produtos em www.mozarteffect.com. Campbell afirma ter feito um coágulo no seu cérebro desaparecer murmurando, orando e visualizando uma mão vibrante ao lado direito do seu crânio. Pessoas que apoiam de forma acrítica a medicina alternativa não questionam esta alegação, embora esta seja uma daquelas alegações seguras que não podem ser provadas ou desprovadas. Ele poderia, da mesma forma, afirmar que foram anjos que levaram o coágulo. (Alguém poderia se perguntar por que, se música é tão bom para as pessoas, ele teve o coágulo em primeiro lugar. Teria ouvido Rap Music acidentalmente?)

As alegações que Campbell faz para a música são de uma extravagância que beira o rococó. E são tão substanciosas quanto o rococó. [Campbell alega que a música pode curar simplesmente tudo o que afligir alguém.] Suas evidências são geralmente anedóticas, e mesmo assim ele as interpreta mal. Algumas coisas são interpretadas de modo totalmente errado.

E a estrutura do seu argumento como um todo desaba sob o simples senso comum. Se a musica de Mozart fosse capaz de melhorar a saúde, por que o próprio Mozart ficava doente com tanta freqüência? Se ouvir a música de Mozart aumenta a inteligência e encoraja a espiritualidade, por que as pessoas mais inteligentes e espirituais do mundo não são especialistas em Mozart? *

A falta de provas do Efeito Mozart não impediu Campbell de se tornar um dos favoritos no circuito de palestras entre os ingênuos e acríticos.

Quando a McCall's quer conselhos sobre como combater a depressão com música, quando o PBS quer entrevistar um expert em como a voz pode energizar as pessoas, quando a IBM quer um consultor para usar a música para aumentar a eficiência e harmonia no local de trabalho, quanto a Associação Nacional dos Sobreviventes ao Câncer quer um palestrante sobre os poderes curativos da música, eles recorrem a Campbell.*

Os governadores do Tennessee e da Geórgia iniciaram programas que dão um CD de Mozart para cada recém-nascido. Centenas de hospitais receberam CDs gratuitos de música clássica doados pela Fundação da Academia Nacional de Artes e Ciências. Estes foram gestos bem intencionados, mas seriam eles baseados em pesquisas sólidas de que a música clássica aumenta a inteligência de uma criança, ou o processo de cura de um adulto?

Não de acordo com Kenneth Steele, um professor de psicologia da Appalachian State University, e John  Bruer, chefe da James S. McDonnell Foundation em St. Louis.

Ao contrário de toda a propaganda, eles alegam que não há nenhum melhoramento na inteligência ou benefício à saúde pela audição a Mozart. Steele e suas colegas Karen Bass e Melissa Crook afirmam ter seguido os protocolos estabelecidos por Shaw e Rauscher mas não conseguiram "encontrar nenhum tipo de efeito", embora seu estudo tenha testado 125 estudantes. Eles concluíram que "há pouca evidência para apoiar programas de intervenção baseados no Efeito Mozart". Sua pesquisa a aparece na edição de Julho de 1999 da Psychological Science.

Em seu livro O Mito dos Primeiros Três Anos, Bruer ataca não apenas o Efeito Mozart, mas vários outros mitos relacionados, baseados na interpretação errônea da pesquisa cerebral recente.

O Efeito Mozart é um exemplo de como a ciência e a mídia se misturam em nosso mundo. Uma sugestão de uns poucos parágrafos em um jornal científico se torna uma verdade universal em uma questão de meses, acaba sendo acreditada até por cientistas que inicialmente reconheceram como seu trabalho havia sido distorcido e exagerado pela mídia. Outros, farejando o dinheiro, se juntam à corrente, acrescentando à mistura seus próprios mitos, alegações questionáveis e distorções. Neste caso, vários defensores acríticos se alinham para defender a fé, porque o que está em jogo é o futuro de nossas crianças. Nós então temos livros, fitas, CDs, institutos, programas governamentais, etc. Em pouco tempo, milhões acreditam no mito como um fato científico. Neste caso, o processo encontrou pouca resistência crítica, afinal nos já sabemos que a música pode afetar sentimentos e o humor, por que então não afetaria a inteligência e a saúde? É apenas senso comum, certo? Sim, e mais uma razão para ser cético.


Leitura adicional

Bruer, John T. The Myth of the First Three Years (Free Press, 1999) $17.50

©copyright 1999
Robert Todd Carroll

Traduzido por
Ronaldo Cordeiro

Última atualização: 2001-06-24

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